Tatuadora usa desenhos para cobrir cicatrizes de mulheres: ‘Resgate da autoestima’

Cintia Cavalcanti, de 52 anos, deu início à iniciativa há pouco mais de dois anos em Bauru (SP). Para ser coberta com a arte, cicatriz precisa existir há, pelo menos, um ano ou um ano e meio.

Tatuadora de Bauru usa arte para ressignificar marcas e cicatrizes que trazem memórias de desconforto em mulheres — Foto: Cintia Cavalcanti/Arquivo pessoal
Tatuadora de Bauru usa arte para ressignificar marcas e cicatrizes que trazem memórias de desconforto em mulheres — Foto: Cintia Cavalcanti/Arquivo pessoal

Ressignificar memórias que trazem dor e sofrimento por meio da arte. Essa é a premissa principal de uma tatuadora de Bauru (SP) que usa tinta e desenhos para cobrir cicatrizes no corpo de pessoas que enfrentaram momentos delicados ao longo da vida.
Ao g1, Cintia Cavalcanti, de 52 anos, explicou que a iniciativa começou há pouco mais de dois anos. Ela é formada em design pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e, até então, não mexia com tatuagens.
A moradora de Bauru descobriu a paixão pelas artes plásticas e pelas ilustrações ainda na faculdade, com o primeiro trabalho de desenvolvedora de produtos femininos para uma marca de papelaria, até 2000.
 

Cintia Cavalcanti começou a ressignificar marcas e cicatrizes já há pouco mais de dois anos — Foto: Cintia Cavalcanti/Arquivo pessoal
Cintia Cavalcanti começou a ressignificar marcas e cicatrizes já há pouco mais de dois anos — Foto: Cintia Cavalcanti/Arquivo pessoal

Em seguida, Cintia se desligou da empresa para abrir uma agência própria de publicidade e propaganda. No ramo, teve a oportunidade de desenvolver coleções para várias empresas nacionais, até 2012.
Em 2014, a carreira seguiu por outra direção. Isso porque o irmão lhe deu um “sopro” do que poderia fazer dali em diante, já que sabia que Cintia era apaixonada pelas artes. Ele, então, sugeriu que a irmã se aventurasse na tatuagem.
“Eu trabalhava antes com a agência e me sentia uma burocrata, esqueci da minha arte. Sendo que o que me trouxe até aqui foi a minha própria arte, as técnicas que desenvolvi e os cursos que eu fiz. Estava infeliz antes e, então, coloquei a ‘mão na massa’ de novo”, explica.

Ressignificar memórias que trazem dor e sofrimento por meio da arte: essa é a premissa principal de Cintia Cavalcanti — Foto: Cintia Cavalcanti/Arquivo pessoal
Ressignificar memórias que trazem dor e sofrimento por meio da arte: essa é a premissa principal de Cintia Cavalcanti — Foto: Cintia Cavalcanti/Arquivo pessoal

A princípio, Cintia enfrentou alguns desafios, como a necessidade de pesquisa sobre o assunto, já que, segundo ela, o desejo de tatuar não a encantava.
Entre mentorias, visitas a grandes feiras de tatuagens, e um câncer de pele, Cintia contou ao g1 que descobriu que sempre esteve ligada à arte, ao cuidado e ao sentimento feminino em relação à autoestima e à sororidade.
“Tatuar por tatuar era algo que eu não concebia. Estudei muito e coloquei a minha técnica no curso de tatuagem. Fiz também um curso para micropigmentar auréola de seios, porque algumas mulheres têm câncer na mama e precisam retirar. Me envolvi com a necessidade feminina e o sentimento em relação à autoestima”, explica.
 

De imediato, no começo do trabalho, Cintia lembra que uma cliente a procurou para tatuar por cima de uma cicatriz deixada por uma cirurgia de abdominoplastia. O primeiro trabalho nesse sentido, que durou três sessões, a encheu de emoção.

Me encheu de emoção o comportamento dessa cliente depois de eu ressignificar a cicatriz com a tatuagem. Desde então, tanto eu faço artes sensíveis às pessoas que venceram o câncer para simbolizar, quanto às pessoas que querem cobrir pequenas manchas, cicatrizes, entre outros.”

Cintia Cavalcanti diz que a tatuagem assumiu um significado maior: o de amenizar marcas que trazem desconforto em formas personalizadas — Foto: Cintia Cavalcanti/Arquivo pessoal
Cintia Cavalcanti diz que a tatuagem assumiu um significado maior: o de amenizar marcas que trazem desconforto em formas personalizadas — Foto: Cintia Cavalcanti/Arquivo pessoal

Foi somente a partir desse momento que a carreira da artista trilhou o verdadeiro caminho que pretendia seguir e a tatuagem assumiu um significado maior: o de amenizar marcas que trazem desconforto em formas personalizadas.

“Elas me falam que olhar para as marcas é lembrar o que é ruim, e até de certos traumas. Eu escolhi as flores, na botânica, que trazem de volta a alegria e a sensualidade feminina. Desenhos de outros estilos não fazem parte da minha essência. As flores, sim, direcionam para a sensibilidade”, afirma.
A tatuadora também expõe que o que ocorre no momento dos traços é uma troca rica, pois a cliente, muitas vezes, se entrega ao novo. Isso porque, segundo Cintia, poucas estão acostumadas a tatuar e confiam no talento da artista.
Para ela, a importância do trabalho está diretamente ligada à lembrança daquilo que deve “falar mais alto”. Em relação às mulheres, a tatuadora recomenda que a autoestima grite mais do que memórias de dor e sofrimento.
 

É uma verdadeira parceria, eu sei o que elas estão sentindo. A primeira sessão elas vêm retraídas, já na segunda sessão eu percebo que elas já chegam mais confiantes. Nas últimas sessões, eu encerro com um ensaio fotográfico, que resulta em uma redescoberta. É um resgate do próprio eu”, reconhece.

Procedimento

Cintia explica que uma cicatriz para ser coberta com a arte precisa existir há, pelo menos, um ano ou um ano e meio — Foto: Cintia Cavalcanti/Arquivo pessoal
Cintia explica que uma cicatriz para ser coberta com a arte precisa existir há, pelo menos, um ano ou um ano e meio — Foto: Cintia Cavalcanti/Arquivo pessoal

A tatuadora explica que uma cicatriz para ser coberta com a arte precisa existir há, pelo menos, um ano ou um ano e meio, a depender de cada pele. Na dúvida, Cintia direciona as clientes a um dermatologista, que deve responder em caso afirmativo ou não.

“Peço uma declaração assinada pelo médico dermatologista antes de tocar na pele. Algumas clientes, na consulta, eu já sei que não posso tocar na pele. Por exemplo, em vasinhos não há necessidade de cobrir com uma tatuagem”, diz.

Além desta avaliação, a artista recomenda que a cliente não faça uso de bebidas alcoólicas antes do procedimento e mantenha o local na pele hidratado. Segundo a tatuadora, a arte exige um planejamento para preservar o conforto.

“Tatuagem não é feita com pincel e, sim, com agulhas. É preciso um cuidado com a derme, por isso eu respeito muito as camadas da pele. A minha técnica é consciente e trabalho com o que é natural. A indústria da tatuagem está moderna e até tenho gel que acalma”, diz.

De acordo com Cintia, um diferencial importante do trabalho é o abraçar cada cliente e cada projeto — Foto: Reprodução/Instagram
De acordo com Cintia, um diferencial importante do trabalho é o abraçar cada cliente e cada projeto — Foto: Reprodução/Instagram

De acordo com Cintia, um diferencial importante do trabalho é o abraçar cada cliente e cada projeto, a ponto de se envolver com os casos. Por conta disso, a arte ganhou um nome exclusivo: “renda botânica”, e promete combinar com a alma de cada mulher.

“De cada trabalho sai uma história diferente, uma terapia feminina. O ambiente também é preparado para abraçar a feminilidade, então, coloco músicas e filmes para atendê-las. Tatuo mulheres de todas as idades e isso me dá muita alegria, muita satisfação.”

A tatuagem delicada não é restrita às mulheres, mas Cintia diz que prefere atender homens que entendam essa ligação ao feminino e estejam dispostos a se sensibilizar com a técnica. Ela também não cobre outras tatuagens por entender que o traço deve estar à luz da pele.

A expansão do trabalho da artista só não foi maior porque ela começou com a iniciativa em meio à pandemia do coronavírus. Por isso, Cintia se alegra ao dizer que a frequência de clientes deve aumentar com o avanço da vacinação.

O pós-tatuagem é outro diferencial no trabalho de Cintia. Ao fim das sessões, a moradora do interior paulista entrega às clientes um kit com uma pomada natural, um produto antisséptico e um chocolate para lembrá-la de manter o autocuidado.

Ao fim das sessões, Cintia Cavalcanti entrega às clientes um kit pós-tatuagem para cuidados naturais — Foto: Cintia Cavalcanti/Arquivo pessoal
Ao fim das sessões, Cintia Cavalcanti entrega às clientes um kit pós-tatuagem para cuidados naturais — Foto: Cintia Cavalcanti/Arquivo pessoal

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